domingo, 9 de agosto de 2015

A TERNURA DE MEU PAI


Meu pai era um homem terno. Gostaria de estar com ele. Gostaria de ter tido o poder de prolongar o tempo. O tempo das prosas de tantos entardeceres. Juntos. Infância regada a exemplos. Gentileza natural nascida na crença de que o outro merece sempre o nosso melhor.
Calvários doloridos os de meu pai. Foi preso, injustamente, na época da ditadura Vargas. Trabalhou com afinco. Primeiramente, para ajudar os pais. Limpou escolas, plantou em hortas, vendeu na feira, trabalhou no comércio, virou comerciante, empresário, construtor. Não teve oportunidade de estudar. Estudou, entretanto, a alma humana, com tamanha delicadeza e paciência que se formou mestre na área complexa de compreender que o outro merece ser respeitado. 

Sofreu meu pai pela morte de dois filhos. Chorou a inversão da lógica. Um morreu aos 21 anos, acidente de carro. O outro de complicações no pulmão, aos 33. Tinha síndrome de Down. Era o centro da casa. Alegria contagiante de quem não tem economia em expressar os sentimentos.
Era profundamente religioso. Gostava do sagrado. Das celebrações eucarísticas. Da comunhão com os seus irmãos. Da reza silenciosa em sua cadeira de balanço. Esta é uma das lembranças mais lindas que tenho dele. Rezando. E eu, cheio da curiosidade de criança, queria saber o que ele pedia a Deus, em oração. Ele fazia segredos, sorria, dizia que eu fizesse o mesmo e que deixasse meu coração ir dizendo, apenas isso. "Deus escuta o nosso coração", dizia-me ele, com um sorriso generoso. O coração é a metáfora do que se sente. De onde dói. Do que faz bem. Dos sonhos que servem de combustível para prosseguir.
Meu pai era um homem bom. Soube partilhar o seu dinheiro. Dizia que Deus fizera dele um velhinho rico e que era preciso cuidar dos velhinhos que não tiveram a mesma sorte. Ainda hoje, na minha amada terra natal, Cachoeira Paulista, há o Asilo dos Vicentinos que ele construiu.
Meu pai era um homem trabalhador. Com o tempo, comprou um sítio e, ali, plantava café. Gostava da terra. De plantar e de colher. Um dia me confidenciou que pedia a Deus que não o deixasse em uma cama enfermo, como seu irmão mais velho. Era triste demais viver sem trabalhar. E que queria morrer trabalhando. E, assim, ele foi. Depois de um casamento. Depois de uma festa. A partida. Dolorosa partida. Rápida como ele queria. Difícil para os que dele se alimentavam de sua ternura.
Falo de meu pai como exemplo de um amor que nos molda. Cada um tem sua história afetiva com seus próprios pais. Alguns sofreram mais com pais violentos ou ausentes ou, estranhamente, pouco amorosos. O amor é elo sem o qual a engrenagem familiar não funciona. Mas mesmo os que lamentam os erros dos pais, em algum momento, podem mergulhar nos seus acertos. Ninguém erra ou acerta o tempo todo. Conheço filhos que lastimam, o tempo todo, os erros dos pais. Que contam histórias de alcoolismo e de exemplos desagradáveis. Mas e os afetos?  E os bons momentos que, não raro, ocorreram? A memória não pode abandoná-los. Até mesmo o sentimento de falta do pai, no dia de hoje, que muitos devem estar sentindo, é um indício de que há o desejo de que, ao menos, “aquele momento” estivesse ainda presente. 
No dia dos pais, símbolo que nos ajuda a refletir, valem alguns dizeres aos pais que estão por perto. Se falta dinheiro para o presente, vale a presença de palavras que agradecem, que celebram, que reconhecem. Vale a presença de gestos de amor. Se eu pudesse, abraçaria longamente, meu pai, neste dia. Se eu pudesse deitaria em seu colo e brincaria com ele para ver qual das mãos é a maior: a dele ou a minha. Ele tinha mãos grandes. E eu dizia que, um dia, as minhas seriam maiores que as dele. E brincávamos de medi-las. Ele sempre ganhava. Na época de sua morte, repetimos emocionados “nossa” brincadeira e eu lhe disse que as dele continuavam maiores. Ele piscou, sorriu e disse que, há algum tempo, percebia que eu dobrava um pouco os dedos para que a mão dele continuasse maior. Mas que ele tinha muito orgulho de saber que as minhas mãos eram maiores que as dele. Que, para um pai, isso não era um problema. E que sonhava que eu continuasse crescendo. Nas mãos, no caráter, na vida e nos sonhos de construir um mundo melhor. De ser bom. De ser uma pessoa de bem.
Meu pai compreendia as minhas inquietudes. Ouvia os meus lamentos. Celebrava as minhas conquistas. Pai é assim. Presença que acalma e que alimenta de vida a vida dos seus filhos. Um filho que nega os pais é como árvore sem raiz. Nutrimo-nos do solo que nos gerou e devemos a ele voltar sempre na presença dos nossos pais ou na memória do que eles em nós plantaram.
Tento reproduzir a sua ternura. Sou ainda um aprendiz.
Feliz dia aos pais!

Ao meu pai José
Pai querido, é pena que já partiste
És saudade presente
Do tempo que, na minha mente,
Ainda existe
Os teus olhos tão vivos, tua mão, que suave
Conselhos constantes e os gestos marcantes
De quem ensina sem desanimar
Tua voz tão segura e plena de amor
Caminho infinito de quem, qual num rito
Toma cuidado para não deixar dor
Caminhas comigo, em cada momento
Vives ao meu lado em qualquer ação
Orienta meus passos teu ensinamento
Inteligência não vive sem o coração
Tu és simples sapiência, bondade, és motor
Princípios eternos, valores presentes
Prolongam no tempo o belo exemplo
O teu grande valor, sempre sem medida
Valor de oração, de trabalho diário
Suave encanto presente na vida
E teu romantismo : único amor
Exemplo de vida, marcante, constantes
Meu jamais esquecido, poeta sonhador
E teu romantismo : mamãe era rosa
Flor e princesa, único amor
Exemplo de vida, marcante, constante
Meu, jamais esquecido, poeta sonhador
E teu romantismo : mamãe era rosa
Flor e princesa, único amor
Exemplo de vida, marcante, constante
Meu, jamais esquecido, poeta construtor
Pai querido.

(Gabriel Chalita)

POSTADO POR CHARLES MESQUITA.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

"O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS"



“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. 
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa.
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!"
Mário de Andrade

quinta-feira, 30 de julho de 2015

CEDO OU TARDE...


          ONTEM, PASSEI O DIA COM SAUDADES DE ALGUMAS PESSOAS QUE ME FORAM MUITO CARAS... MEU PAI ENTÃO, NEM SE FALA... MAS SENTÍ A FALTA DE UMA PESSOA QUE POR NÃO VE-LO A MAIS DE 20 ANOS, ACABEI POR ESQUECER O SEU NOME INCLUSIVE!!! É GENTE... HAVIA ESQUECIDO O SEU NOME!!! COMETO ESSA FALHA AS VEZES!!! MAS MESMO ASSIM, EU CONTINUEI COM A SENSAÇÃO DE PERDA E CONTINUEI ME LEMBRANDO DELE, DE SEU ROSTO, SEU SORRISO, SUA SIMPATIA... 
     ELE FOI UMA PESSOA MUITO ESPECIAL, MUITO BACANA... SABER QUE ELE ESTAVA DOENTE, PARA MIM FOI UM DURO GOLPE NA ÉPOCA... E PIOR AINDA FOI SABER QUE LOGO DEPOIS DE TENTAR ME VISITAR SEM SUCESSO, ELE SE FOI... HÁ QUASE VINTE ANOS ATRÁS EU PASSEI POR UM MOMENTO DE RECLUSÃO RELIGIOSA DELICADA E NEM ASSIM, AO SABER DE SUA PASSAGEM, EU PUDE CHORAR A SUA FALTA NAQUELE MOMENTO. 
     E COM TUDO ISTO NO PENSAMENTO, PASSEI TODO O DIA SEM CONSEGUIR ME LEMBRAR DE SEU NOME!! NOSSA!! COMO PUDE ESQUECER SEU NOME?! ACABEI INDO PARA A CASA DA MINHA MÃE RESOLVER UMAS COISINHAS PRA ELA E APROVEITEI PARA ASSISTIR A UM FILME QUE HAVIAM ME RECOMENDADO!! TOCANTE!! COM TUDO A VER SOBRE O QUE SE PASSOU NAQUELE TEMPO... E TRISTE POR NÃO CONSEGUIR AINDA ASSIM, ME LEMBRAR DE SEU NOME, FUI DORMIR... PEGUEI NO SONO LOGO, UM SONO BOM E REVIGORANTE... NÃO ME LEVANTEI EM NENHUM MOMENTO DURANTE A NOITE... PAZ, PAZ... 
     AGORA PELA MANHÃ, AO ACORDAR BEM CEDO, EU O VÍ, EM PÉ, PRÓXIMO A MIM, SORRINDO... E INSTANTANEAMENTE A PALAVRA SURGIU EM MINHA MENTE: ADEMAR!! FIQUEI TÃO FELIZ!!! EU ASSIM ME LEMBREI!! E ENTÃO ELE SORRIU PRA MIM, AQUELE MESMO SORRISO DOURADO E GENTIL, ACENOU UM ADEUS E SE FOI... 
     É UMA VERDADEIRA BENÇÃO DE DEUS A PRESENÇA DE ALGUMAS PESSOAS EM NOSSAS VIDAS... DESEJO A VOCÊ MEU PAI, A TODOS OS AMIGOS QUE SE FORAM ENTRE ELES O SAUDOSO ADEMAR, A ALGUNS PARENTES QUE TAMBÉM FORAM MARAVILHOSOS UM ENORME E SAUDOSO ABRAÇO... VOCÊS FORAM MARAVILHOSOS!!! UM DIA A GENTE SE ESBARRA POR AÍ... ASSIM ESPERO... ATÉ BREVE!! SÓ COLHENDO O QUE PLANTEI.... 

Charles Mesquita

quarta-feira, 15 de julho de 2015

SONHOS - PARTE 1: GAINAN



         GAINAN
     E no meio da noite, envolto em um sono tranquilo, eis que me encontrei em um iluminado dia cinza, nublado... De repente me encontro envolto em uma bruma tênue, por entre árvores de muitos tons alaranjados e vermelhos... Ao me tocar, sinto que visto algo bem grosso, algodão cru, de um lilás inebriante. Faz frio. Por baixo dos cachos ruivos, sinto minha orelha anestesiada e fria...
     A beleza da natureza ao redor me paralisa... Ouço o som da água bem próximo... Um riacho... No chão, um imenso tapete de musgos e folhas coloridas estala sob meus pés e muitas, muitas árvores frondosas cirandeiam a meu redor. Acredito que, devido ao clima, silentes e semi-hibernas, apenas me observam de soslaio.
     Estou diferente, num ambiente sem espelhos, sei que estou diferente. A pele muito branca, mãos pequenas enregeladas. Longos cachos vermelhos, às vezes cobrindo o meu rosto, no pescoço, um cordão, uma pedra, uma runa... Nos pés, calço algo como couro, couro de gamo... No corpo visto uma espécie de manta grossa fazendo às vezes de um vestido caindo até o meio das pernas.
     No ar, orvalho da manhã, almíscar, sândalo, cheiro de mato... Energizante... No céu, uma enorme lua que se despede diante da claridade cinza da manhã que surge... Toco o meu rosto febril diante da experiência de vislumbrar esta cena de forma tão nítida... Tão real!! Bem próximo, na margem do riacho, ainda uma fogueira emana apenas o calor em meio às cinzas... Noto junto a mim um pequeno balaio... Amoras, uvas, pão, queijo e um recipiente com vinho... Sinto que é hora de voltar, preciso ir... O que quer que tenha acontecido aqui, já acabou...
     Com o balaio nas mãos, resolvo então voltar... Voltar?... Para onde? Esta certeza vem apenas em meu coração pulsante... É... Estou voltando... Após alguns passos, páro e olho só mais uma vez para aquele lugar... Preciso gravar isto em minha mente... Ao me virar, constato que a bruma, antes espessa, se dissipou um pouco e assim pude vislumbrar bem no meio de tudo uma grande pedra angular com o mesmo símbolo entalhado na pedra que trago em meu cordão e junto a ela uma espécie de mesa também em pedra... Sob ela muitas flores, leite, mel e frutas... Uma emoção estranha, como se fosse uma bolha invisível cresce dentro de mim e explode em meu rosto na forma de um sorriso...
     Retomo meu caminho com a certeza inegável de que um dia tenha dançado nua, sob a luz do luar, após deitar leite e mel em agradecimento a Grande Mãe... Ouço sob a minha cabeça um ribombar surdo e meus pulmões se enchem com o cheiro da chuva próxima... Ponho-me a caminhar... Estou quase lá... Ah! O meu nome?! O meu nome é Gainan!!
     De repente, acordei... Sereno... Calmo... Respiração tranquila... E a nítida sensação de alma lavada... Lá fora, chove...

Charles Mesquita.


terça-feira, 14 de julho de 2015

PRECONCEITO X AMOR

     A maior mágoa que o preconceito me causa é quando as pessoas acham que o sexo vem sempre em primeiro lugar na questão de meus relacionamentos... Se me aproximo de alguém, e se esse alguém for homem ou do sexo masculino, é por que a minha intenção primordial é fazer sexo e não conhecer a pessoa... Em muitas das vezes, tudo o que eu queria era apenas fazer uma pergunta, nada mais...
     Sempre me senti muito comedido em comentar o que gosto e como gosto com as pessoas... Tive que aprender a guardar tudo pra mim... E ainda acontece da pessoa te descobrir frágil e aí se sentir livre para fazer as mais bizarras perguntas... Sem nenhum cuidado, se vai te magoar ou não, se é invasivo ou não, se é verdadeiro ou não, se sou culpado ou não... Sinceramente, existem coisas que guardamos só pra nós e mais ninguém...
     Cresci desejando ter uma família, viver numa família, conversar abertamente sobre tudo de forma corajosa e clara, quebrando tabus e dogmas que mais tarde nos pouparia de muitos sofrimentos... Uau! E como desejei! Se descobrir medroso em relação à vida é horrível, te torna fraco, muito fraco... Você deseja ser realmente diferente, você deseja ser alguém totalmente diferente do que você é... Você almeja ser aceito, de todas as formas, por tudo e por todos... E logo logo, você não passa de um fantoche da vida, fazendo as pessoas sorrirem, pois assim é mais fácil ser aceito, para logo depois e as escondidas chorar por atos involuntários e sem personalidade...
     Como somos estúpidos às vezes em não sermos verdadeiros nem a nós mesmos! Infantis, imaturos, cruéis... Comenta-se muito hoje em dia em violência contra as pessoas... Violência social, racial, de classes, sexual... Mas existe a violência que cometemos também contra nós mesmos, por aceitar, por permitir a exclusão de tudo o que somos e poderíamos ter sido... Que pena!
     É tão bom sermos donos de nossas vozes, nossos pensamentos, nossos desejos, nossos sonhos... Ser dono de nossa felicidade... Passar pela vida como passamos, sem agredir alguém a ponto de eximir o que de melhor essa pessoa tenha dentro de si... Isso sim é maravilhoso...
     As atuais transformações estão acontecendo e vão continuar... Nada que se faça irá mudar esse processo... É do Homem procurar evoluir e se encontrar no fim de uma jornada realizada... No início foi muito difícil pra mi caminhar, mas olhando tudo de uma forma bem realista, me sinto gratificado em ver que muitas pessoas querem o melhor pra si e também para outras pessoas... Querem ser livre, amar e serem amadas de forma tão natural como o ato de respirar.

     A lei natural das coisas vai prevalecer... O que é melhor para muitos vai ficar, a maioria vai vencer e sinto que pelo bem.

Charles Mesquita.


A ARTE DE ESCREVER


     "Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.
     Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
     Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

Graciliano Ramos